Ces blocs étaient du feu... Il y a encore du feu en eux...”
Paul Cézanne
Âmagos é, como o título sugere, uma exploração do cerne, da essência. Em cada âmago — 4 ao todo — tenta-se alcançar um quase-ascetismo formal através da limitação a um número bastante reduzido de materiais sonoros. Cada âmago tem a sua personalidade, simples e sem contradições. O primeiro e último âmagos têm carácter contínuo e harmónico, enquanto os números centrais têm personalidades frásicas e predominantemente melódicas.
No número III é citada uma cantiga de trabalho: Minha roda ‘stá parada, recolhido em 1938 nas margens do Zêzere por António Avelino Joyce e compilado no Cancioneiro Popular Português (1980) por Michel Giacometti. Âmagos foi composta usando material presente na peça Murmúrios da Terra para viola da gamba solo, por mim composta em 2021.
Esta peça é dedicada ao Diogo João e ao Márcio Silva — Duo Sirius.
Custa-me escrever sobre música minha. Não gosto de descrições nem de adjectivos. Podia contar como ouço esta música, mas tenho receio que bloqueie outros caminhos de escuta. Sobre o processo pouco sei: delírio febril contra tempos e medos. Resta-me, então, escrever sobre o ponto de partida desta peça— a raiz.
Não raramente, o alento que me faz começar uma peça são os fascínios e entusiasmos que, por capricho, me ocupam. À data de começar Captura de um Gesto, esse fascínio era a Fotografia, mais concretamente, fotógrafos como Robert Capa, Jacob Riis e Henri Cartier-Bresson. Impressiona-me na Fotografia o estranho poder de transformar o pequeno em grande, o instante em instalação, o particular em universal, enfim, o efémero em perene.
Deste entusiasmo, nasceu uma ideia abstracta muito simples: uma linha vertical que se transforma numa linha horizontal. Talvez seja este o gesto que o título nos fala: mandar abaixo o raio da linha. Não esqueçamos, porém, que o acto de compor é também deitar as ideias ao lixo e, simplesmente, escrever o que queremos ouvir.
Peça para gamba solo
…para a Carolina.
Carolina Schwäbl-Martins - Viola da Gamba e Vídeo
João Caldas - Composição
Florian Götz - Gravação de Som
Murmúrios da Terra foi criada com (e para) a Carolina Schwäbl-Martins, num ambiente semelhante ao de uma residência artística, criando directamente com o instrumento e o seu material sonoro, sem a necessidade de uma partitura enquanto intermediário de comunicação.
Esta peça tenta pôr em foco não só as características únicas do som da viola da gamba, mas também a voz e sensibilidade (também únicas) da Carolina.
O vídeo foi concebido por ambos mas filmado e concretizado pela Carolina. Tentou-se capturar em imagem uma dimensão abstracta da viola da gamba com vista a alcançar uma intimidade imanente ido próprio instrumento.
Inserindo-se no espírito da rádio-arte, Plunderphonics e Musique Concrète, Klangfluss 1 é uma compilação de ideias enquanto palavras, palavras enquanto sons e sons enquanto ideias. Acima de tudo, porém, esta peça convida ao acto de ouvir o som em si mesmo. John Cage é um elemento central formativo para esta peça.
A minha função nesta peça é relacionar, contrastar, intersectar diferentes elementos - agindo essencialmente como um curador - criando um contexto diferente do original para os sons recolhidos.
Segue-se a lista de sons utilizados:
Francisco López — untitled#163 [for Pierre Schaeffer] (2004)
João Caldas — Gravação de sinos de igreja
João Caldas — Gravação de moinho de vento
João Caldas — Gravação de cafeteira a ferver
José Mário Branco — A Mãe - De maio (1978)
Pedro Costa — Où gît votre sourire enfoui? (2001) - Jean Marie Straub und Danielle Huillet re-editam o seu filme Sicilia!
Morton Feldman — Piano and String Quartet (1985)
John Cage & Morton Feldman — Radio Happenings - Conversations: Recorded at WBAI New York City, July 1966 to January 1967
John Cage - Bird Cage (1972)
João Caldas — Gravação de piano com e-bows
Alvin Lucier — Still and Moving Lines of Silence In Families of Hyperbolas (Voice)
Charlie Chaplin und Leo Daniderff - Nonsense Song do filme Modern Times
Reinhard Elsner — Musik im technischen Zeitalter: John Cage (1965)
GAC Grupo de Acção Cultural — Pois Canté! - Cantiga sem Maneiras (1976)
Abbas Kiarostami — Dah (2002)
Ghédalia Tazartès — Repas Froid (2009)
Karin Edvardsson Johansson und Elin Lisslass — Lockrop & Vallåtar - Ancient Swedish Pastoral Music (1995)
Inuit du Caribou, Netsilik et Igloolik — Canada - Jeux Vocaux Des Inuit (1989)
José Mario Branco — A Mãe - Cantiga de alevantar (1978)
Ghédalia Tazartès — Diasporas - Un amour si grand qu'il nie son objet (1977)
Peça para orquestra sinfónica
Orquestra Fundação Calouste Gulbenkian
José Eduardo Gomes - Direcção
João Caldas - Composição
Peça vencedora do 1º prémio da 10ª Edição do Prémio de Composição SPA / Antena 2.
Apneia foi escrita sobre a premissa de um discurso narrativo que colapsa, dando lugar a um terreno não narrativo e suspensivo. Este discurso consiste na justaposição de dois blocos/materiais (A e B) com qualidades opostas: A é cumulativo e expansivo, B é aberto e desinente; A cria tensão, B cria distensão; A é movimento, B é paisagem; A é inspiração, B é expiração.
Depois de um momento climáctico onde os dois materiais se sobrepõem, a música colapsa e entra num ambiente suspensivo, num limbo temporal não narrativo onde não existe tensão nem distensão — apneia.
Peça para 1 percussionista e percussão de metal
… para o Francisco.
Miguel Curado - Percussão
João Caldas - Composição
A Sombra de Pitágoras foi criada com (e para) o Francisco Cipriano, num ambiente semelhante ao de uma residência artística, criando directamente com o instrumento e o seu material sonoro, sem a necessidade de uma partitura enquanto intermediário de comunicação. Um registo gráfico desta peça foi escrito posteriormente (2021) à performance da peça, registo esse que não tem pretensão de ser partitura fixa, mas sim um esboço de trabalho para performances futuras. Foi o primeiro projecto pessoal inserido neste processo co-criativo sem intermediário de partitura.
Esta peça surge no seguimento de uma pesquisa prática por diferentes técnicas em arquear pratos, e de um fascínio pelo som, aparentemente indomável, destes instrumentos.
Pede-se, nesta obra, um dispositivo cénico em que o percussionista é tapado por um biombo, e a única fonte de luz usada ser um candeeiro colocado imediatamente atrás do biombo (infelizmente, perdeu-se o registo da performance com a concretização cénica). O resultado é um efeito acusmático (a fonte do som torna-se escondida), e um jogo de sombras abstracto. Deste dispositivo nasce o título da peça — uma referência a Pitágoras, figura proeminente no estudo dos aspectos físicos e místicos do som, e à lenda dos akusmatikoi: alunos de Pitágoras que ouviam o mestre atrás de um véu para melhor escutar as suas palavras.